Segunda-feira, 23 de Maio de 2005

Desamor.

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Ouvi-te durante anos através do telefone.

Tinhas uma voz singular, quente e sobranceira.

Fazia-me confusão ouvir-te. Sentia-te dono do mundo. Detestava ter que recorrer à tua ajuda ou préstimos. Sentia-me incompetente. Não percebia porquê.

Quando algum dos teus funcionários me dizia “ não posso fazer nada, fale com…”, “o melhor é falar com…” , ou então “vou passar-lhe o …” eu ficava doente.

E lá me passavam à tua extensão, e sempre me atendias através do “speaker”.

Logo para marcar território, num ataque antecipado dizia-te “não falo consigo em alta voz, faz favor pegue no telefone…”.

E tu numa risada discreta acedias ao meu pedido.

- Diga lá, o que posso fazer por si? – Questionavas.

E rapidamente, expunha o problema, certa da tua resposta “…bem, vou ver o que posso fazer, mas avise aí o J. que as coisas não podem ser assim… aliás sabe perfeitamente que não gosto de me envolver nestas coisas…”.

Em silêncio ouvia-te e tentava imaginar a tua cara, como estarias sentado e de que forma interpretavas o meu pedido, ou até se te sentirias da mesma forma.

Vieste à empresa várias vezes, mas apenas na última reunião estive presente. Já lá vão dois anos, mas ainda recordo o nervosismo que me acompanhou até à sala de reuniões.

Pousei os processos na mesa, cumprimentámo-nos e não me olhaste nos olhos. Isso libertou-me, e desde esse momento a reunião decorreu sem que, em algum momento, eu me sentisse acossada, diminuída ou até menos capaz.

Defendi os meus processos certa e rigorosamente. Nada impressionada. Afinal não eras o bicho-papão que imaginava.

Quando nos despedimos olhei-te nos olhos certa de que nunca mais me irias enervar.

Cerca de um ano depois, estava a quinze dias das minhas férias de Verão, e um assunto profissional, algo delicado, obrigou-nos a um contacto diário, envolvendo muito telefone e imensos emails.

E num desses emails percebi um tom diferente, uma abordagem mais pessoal. Não sei como, nem porquê, mas pressenti que algo tinha mudado em ti. E um dia pediste-me o meu número de telemóvel.

Ainda recordo o espanto que me causou esse pedido, a certeza de ser um pedido pessoal que vi confirmado após te ter dito que “ … ainda estaria no escritório mais uma hora ou duas e como tal poderia sempre contactar-me nesse período de tempo…”.

- Calculo que sim, mas quando lhe ligar, não vamos falar de trabalho. – Foi a tua resposta imediata.

As férias de Verão do ano passado ficaram marcadas por horas de conversa. Por cada dia que passava aumentavam a cumplicidade e as confidências. Contaste-me quase toda a tua vida, e de repente já te conhecia. Tu, pelo contrário, continuavas a saber muito pouco de mim. O essencial, que afinal era o que sempre soubeste.

Mas querias saber mais, a cada pergunta que ficava por fazer, a cada respirar que te pressentia, eu sabia que estavas curioso.

E eu alimentei esse prato, servindo-me com aperitivo. Era um jogo de sedução interessante, e que eu conduzia à minha maneira.

Adorei aqueles dias cheios de adrenalina, desafios e poder.

Sentia-me bem, dona e senhora das nossas conversas, embora tu acreditasses que me estavas a seduzir, que me tinhas enleado na tua rede de sedutor. Nada disso.

O retorno de férias deixou-nos pouco tempo para as nossas conversas, e tu ressentiste-te disso. Para mim funcionou ao contrário, sentia-me livre e nada interessada em retomar as nossas conversas já íntimas. Demasiado intimas.

Eras, como ainda hoje, muito persuasivo e não paravas de me mandar mensagens, emails e telefonavas, como sempre, imensas vezes.

Começaste a pressionar-me. Querias estar comigo. Não acreditavas que eu pudesse deixar-me ficar apenas pelo conhecimento virtual do telefone e do e-mail.

Quando te respondia dizendo que já te conhecia e que não era necessário estar juntos, ficavas fulo, mas disfarçavas bem a raiva e a impaciência (é uma das coisas que menos gosto em ti, quando disfarças a pessoa que és, e o que realmente sentes), com palavras bonitas e sedutoras.

Eu deixei-me convencer e contra todas as expectativas, principalmente as minhas, consegui uma tarde livre.

Foi num Sábado, dia 13 de Novembro. Nesse dia aprendi o que nunca quis saber. Estivemos juntos. O tempo que durou entre o parque de estacionamento e o motel foi silencioso. Não estava nada nervosa. Talvez estivesse. Nem parei para pensar.

“…fizemos amor…” costumas dizer, embora para mim tenha sido apenas sexo.

Deste-me prazer. Eu deixei-me embalar. Fui quem imaginavas que fosse e mais ainda. Foi isso que aprendi. Posso ser quem eu quiser, basta acreditar que o sou.

Encantaste-te pela mulher ainda jovem, cheia de fantasias por concretizar, sonhos por realizar…

Para mim o desencanto aconteceu ainda antes de nos tocarmos. Eu sabia que seria unicamente uma experiência.

Queria estar com outro homem.

Queria saber como seria “fazer amor” sem amar.

Queria ser mulher sem ser amante.

Estivemos juntos mais duas vezes, e de cada vez eu sabia que te estavas a apaixonar. Eu, cada vez mais distante e menos interessada.

Hoje, quando te ouço, leio e respondo, pela enésima vez, apenas recordo as palavras que me dizias quando eu me escusava a estar contigo “… não temos que pensar demais nas coisas, … não te preocupes em dar nome à coisa, … tens de saber compartimentar as coisas, …. Ambos temos família que tem de ser preservada…, vamos aproveitar cada momento enquanto podemos…”. Dizias tudo isto com um desprendimento digno de aplauso. E eu assim fiz. Sempre fui boa aluna, e sempre segui as regras, de tal forma que nem cheguei a gostar de ti. Apenas o suficiente para o sexo que vivemos.

Contigo aconteceu o contrário.

Gostas de mim, amas-me, desejas-me, já nem imaginas os teus dias sem mim.

E nunca mo disseste, e sei que não o vais dizer.

Mas não preciso que o digas. Simplesmente sei que é assim.

Já não estamos juntos desde Dezembro e teimas, insistes, desesperas (numa fúria escondida), e acreditas que vamos voltar a estar.

Já te disse que isso não vai acontecer.

Repeti cada palavra olhando-te nos olhos. Quiseste tocar-me e eu não deixei. Saí do teu carro e não olhei para trás. Deixei de atender as tuas chamadas. Nunca mais respondi às tuas mensagens.

Nenhuma saudade.

E agora, após ler mais uma mensagem tua, ver o teu número no visor do meu telefone, noutra chamada não atendida, apetece-me ligar-te e gritar-te:

- Não eras tu que me dizias para compartimentar as coisas, não lhes dar mais valor que o real, e viver o momento? Não eras tu que defendias a duplicidade do nosso relacionamento como algo inevitável e que apenas nos ajudaria a ser mais felizes???? Na tua ânsia de me provar a tua experiência de macho não percebeste que estavas a uma passo do abismo, e assim caíste e provaste o teu próprio veneno.

Mas não o faço, e sei porquê. Porque no mais profundo do meu ser estou a adorar perceber a tua impotência, o teu desatino e mais ainda o facto de estares convencido que gosto de ti.

Estás enganado.

A única coisa que ainda gosto em ti é o facto de me desejares, de te dar tesão, de sentires a minha falta, de perceber que as tuas regras foram quebradas. E foste tu que as quebraste não eu.

Detesto o ser submisso e carente que te tornaste, afinal, apenas cumpri o plano estabelecido por ti e compartimentei as coisas.

É assim o desamor.




publicado por eu34 às 16:53
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De Anónimo a 24 de Maio de 2005 às 23:33
Li com muita atenção este teu magnífico texto. São límpidos os aspectos do seu conteúdo e da forma que lhe impregnaste. Agora a minha curta opinião/interrogação. Tens a certeza que a figura feminina controlou toda a situação? Não haverá da parte dela uma grande dose de frustração por objectivos não alcançados?

Eu não podia deixar de te linkar. O teu Blog já lá está.

E sobre o jantar de aniversario do Fraternidade?

Beijocas,
Fernando B.
(http://lusomerlin.blogspot.com)
(mailto:ftcb@netcabo.pt)
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De
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