
foto by: Marília
Desceste a rua sem olhar para trás.
Fechei a cortina e em silêncio me deixei ficar.
As palavras presas rebentavam-me as têmporas numa dor reconhecida.
A garganta seca latejava seca.
Ergui o rosto, enfrentei a luz do dia que findava, desci as escadas, entrei no carro, liguei o CD onde as palavras
no love, no glory
ecoaram.
Conduzi o carro num percurso só meu.
Ao longe o pôr-do-sol num vermelho quente entra pelo mar adentro.
O ar quente e rarefeito invade-me as narinas, acelero um pouco, preciso de cheirar o mar intenso, salgado e fresco.
A praia invadida num Agosto quente mantém-se lotada de corpos em cujos rostos se reflectem as alegrias de um dia bem passado, o cansaço de um dia que acaba ou até a antecipação de uma noite partilhada.
Caminho por entre eles, desvio o olhar a cada rosto que me enfrenta.
A areia molhada faz-me perceber que a linha de água está na minha frente.
Derrubo-me na areia, ergo o rosto ao azul intenso, que no infinito luz num brilho hipnotizador.
A maresia, da noite que começa, cobre o meu corpo, os cabelos pintalgados de ténues gotas de água, os braços, as pernas, o rosto, as mãos que na areia procuram conforto.
Estou só.
Não penso em nada, em ninguém.
Despojada de tudo, e de todos, olho o horizonte expectante na busca de mim.
Quem fui?
Como vivi?
Quem quis ser?
Como teria vivido?
Quem quero ser?
Como quero viver?
Quem sou e como vivo?
A luta já foi cerrada e mortal, neste momento sobrevive dentro da mim. A derradeira batalha de uma guerra que não soube enfrentar e pela qual em determinado momento me perdi.
Sei apenas que uma parte de mim acabou por desistir de tentar viver, e nessa luta desigual perdi mais do que alguma vez acreditei ser possível.
E perguntei ao silêncio, quebrado pelo silvo das gaivotas que se achegam às redes da última pescaria do dia, se o que resta de mim é suficiente.
A resposta não me é devolvida.
O sonho continua menos ingénuo, menos crédulo mas ainda cheio de esperança.
Subo a praia.
Refaço o caminho de volta.