Segunda-feira, 30 de Maio de 2005

Amor (O Fim)

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- Podemos falar? – Enquanto te sentas, conferes os meus olhos vermelhos, inchados das lágrimas caídas.

Apenas posso anuir, as palavras não saem, estão entaladas na garganta dorida. Sinto os olhares inquiridores de quem nos rodeia. Infelizmente, e uma vez mais, não estamos sós.

- Ei, não te quero assim, “Maria-chorona”, sabes que não adiantas nada em estar assim – Vais dizendo numa tentativa frustrada de me fazer sorrir.

Nem te ouço, apenas sinto a dor, a mágoa, a traição de quem amo. As lágrimas escorrem, já sem sal, apenas água. Existem apenas. Como eu. Já sem sol, sem sorrir. Descontroladas. Tento aguentar. Estou cansada de ter pena de mim. Cansada do que está para vir. Cansada do que me está a acontecer. Dos olhares piedosos dos outros que nos olham.

O M. entra no meu gabinete, olha-me na expectativa de saber o que se passa. Está aflito. Não sabe como me ajudar. Nem sabe se pode mostrar que está comigo. O meu melhor amigo tenta esconder no seu olhar as palavras “…bem te disse!”. Sei que está zangado. Não comigo. Contigo. Connosco.

Sai, e fechas a porta nas costas dele. Não te preocupas com o que os outros possam pensar, afinal está tudo perdido. No fundo sinto-me aconchegada com essa postura segura e forte que apresentas.

- Olha para mim – Pedes.

- Não posso… - As palavras arrastam-se entrecortadas. Não as sinto como minhas.

Um suspiro longo, nervoso. Acendes um cigarro, perguntas-me se quero, nem esperas a resposta e passas-mo aceso, enquanto acendes outro para ti.

Hoje não partilhamos o cigarro.

Hoje estamos separados.

- Aconteceu, descobriram que tivemos um caso… – recomeças seguro.

A palavra "tivemos..." assume um papel tão importante quanto a aflição que vivo.

A cabeça ameaça explodir num latejar constante e doloroso.

Pela primeira vez olho-te, e tento antecipar o que me queres dizer. Adivinho que me vais magoar.

Aguardo.

- …Não há nada a fazer, não confirmei nada, não assumi nada, sei que a dúvida existe, e vamos jogar com isso. – Terminas de um fôlego só.

Esperas a minha reacção.

- Achas mesmo que eles não sabem? Viriam ter contigo se não tivessem a certeza? – A minha voz sai calma, quase silenciosa.

- Eles sabem, mas não têm provas, logo não podem confirmar, e tens de te manter ligada a essa certeza. Não lhes vais dar o que querem, pois não? – Pela primeira vez noto o pânico na tua voz.

Já nem tento fingir que estamos a falar de trabalho.

Completamente parada, sinto que o fim chega.

Só não sei que fim, ou a quem está reservado.

- Amanhã é feriado, vais para casa, falas com eles, podem ficar com a tua criança, e vais de fim-de-semana com ele. Ficarão felizes, percebem que estás a fazer um esforço, e de certeza que com o tempo vão acreditar que tudo não passou de uma troca de mensagens. – Finalizas.

Foi assim que percebi que tinha entregue a minha vida nas mãos de quem não a merecia.

Em segundos vi o filme dos dois anos que acabavam nesse dia.

Nesses dois anos amei-te como nem sabia que era possível. Desejei-te como nunca havia desejado ninguém. Fizemos amor e disseste “amo-te”. Planeei uma vida em que serias também uma prioridade. Entreguei-me. Acreditei em ti. Aceitei quem eras e como eras. Nunca questionei nada da tua vida. Entreguei-me.

Era tua.

Era-te fiel, como nenhuma mulher o poderia ser. Mas eu fui, eu era-te fiel.

Sem esforço, era feliz sendo-o, nunca foi difícil.

Eu era fiel ao meu amante.

E tu sabias que eu não ficava com ele. Sabias que apenas partilhávamos a mesma casa. E quando estávamos de férias, ou mais afastados, fazias questão de mo perguntar, e respondia-te prontamente “…sabes que sim.”

Ficava feliz em ver-te feliz. Sabias que era tua. E nessa certeza que te dava sentia-me tua mulher.

E agora ouvia-te dizer-me “…vai de fim-de-semana com ele”,???? Estavas a mandar-me ir para a cama com ele. Ou seria uma autorização?

Não.

Eras apenas o chulo a mandar a sua puta foder para que ganhasse aquilo a que tinha direito.

No teu caso, a liberdade de não estares envolvido comigo.

No meu caso, apenas o que merecia. Afinal eu tinha deveres a cumprir, tinha-os simplesmente ignorado.

As lágrimas secaram, o sorriso voltou débil aos meus lábios, a voz encorpou-se.

- O que queres dizer com isso? – Perguntei sem medo da dor que chegava galopante.

Silencioso, nenhuma resposta. Não porque percebias que estavas a matar os meus sonhos e fantasias, simplesmente porque já tinhas dito tudo. A resposta já havia sido dada.

Imaginar que estava perdidamente apaixonada e enamorada de ti!!! Essa foi a dor maior, perceber que tinha sido uma entrega sem sentido.

Apaguei o cigarro que apenas tinha provado. A tua mão tentou tocar-me.

Levantei-me e olhando-te disse.

- Não te preocupes com nada. Sei o que tem de ser feito. Ninguém chegará até ti. Prometo.

Quase senti o teu corpo tenso a receber as minhas palavras, dava até para sentir o alívio instintivo que te percorreu.

Horas mais tarde olhava o futuro sem qualquer ilusão.

Apenas a certeza de que tinha valido a pena, apenas a tristeza de teres sido tu a receber o meu amor.

A certeza de que o amor tardaria a chegar.

E não, não fui a puta que quiseste que eu fosse.

Fui apenas a mulher que sabia que apenas poderia amar um homem, e a ele somente poderia entregar-me.

Não fui de fim-de-semana, e ninguém chegou até ti.

A certeza de saberes que já não sou tua existe entre nós, em cada dia, em cada momento do nosso trabalho. A cada instante que me olhas, e em cada momento em que me nego a retribuir-te o olhar recebes a promessa que te fiz. Ninguém chegará até ti.

Não sei se, algum dia, amarei de novo.

Sei apenas que ainda não esqueci a dor de te ter amado.

Sexta-feira, 27 de Maio de 2005

Quem és? Quem sou? Não quero saber!.


Sempre que te encontro surge a dúvida.

Quem és e porque és assim?

E se alguma curiosidade me suscitaste no início sobre a pessoa que és, como serias, ou como te comportarias, logo desapareceu para dar lugar a uma consciência passiva e precisa de que não era de facto importante conhecer-te.

De cada vez que te visito, olho para ti e procuro de imediato identificar o teu humor, o teu cheiro de hoje, e o olhar que me dispensas.

Admito que várias vezes não consigo atingir esse objectivo, aparentemente, tão fácil.

Será porque não me preparo suficientemente para ti?

Ou apenas porque não quero mesmo saber quem és?

Nas vezes em que desces até mim, deixo-te sempre a porta aberta, entras, olhas e deixas (quase) sempre o teu humor, o teu cheiro e o teu olhar.

Quando percebo que estás ao pé de mim fecho os olhos, respiro fundo e aguardo ansiosa o que me deixas.

Não raras vezes sinto-te demasiado forte para o que compreendo de ti.

Ao invés de tentar perceber-te melhor, busco, dentro do que deixaste, a tua compreensão de mim.

Ficarias espantado com o pouco que conheço de mim.

E vai daí talvez não.

Sem me conheceres, acredito que sabes tudo de mim.

Não a realidade do dia que começa e acaba, mas a fantasia de quem imaginas que sou.

E neste momento sou presunçosa, e deixa-me sê-lo por uma vez, eu acredito que tentas imaginar-me, saber como sou, o que faço e porque o faço.

Assumo a minha vaidade de acreditar que sim. Que toquei algo em ti. Que em ti cresce a curiosidade de saber de mim.

Não todos os dias, porque sei (não o sei de facto, apenas pressinto) que tens o mundo para viver e conhecer, mas naqueles momentos em que me visitas, e não sabes quem sou.

Quando respondes às minhas dúvidas ou comentas o que te apresento, sem o saberes, és tão importante como o ar que respiro.

No outro dia parei e pensei que estava a atribuir-te uma importância demasiada, e que nada do que poderias dizer era tão importante como o que eu libertava de mim. Logo a seguir preferi deixar nas mãos de quem sabe mais do que eu o desaparecer, ou não, dessa dúvida.

Hoje quando olhei para ti e aceitei as tuas palavras contadas, não percebi tudo, aliás, acho até que não entendi nada, nem gostei muito da forma como o fizeste, mas adorei o que ficou por dizer, e que amanhã, ou depois, ou depois me vais dar.

Hoje apetece-me acreditar que te vou conhecer, e que vais conhecer-me, e que vou gostar de ti, e que vais gostar de mim, e que continuarei a admirar as palavras que me dás, e que tu vais continuar a aceitar as minhas palavras e quem sabe , também, talvez as admires.

Sobretudo hoje queria poder estar com a pessoa que és para mim, não o homem que és, mas quem representas para mim.

Liberdade, conhecimento, experiência e tantos segredos.

Os teus e os meus.

Os teus que não quero conhecer.

Os meus que às vezes te conto sem tu saberes.

O homem que não conheço, não vou conhecer, mas que imagino que seja assim.
Segunda-feira, 23 de Maio de 2005

Desamor.

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Ouvi-te durante anos através do telefone.

Tinhas uma voz singular, quente e sobranceira.

Fazia-me confusão ouvir-te. Sentia-te dono do mundo. Detestava ter que recorrer à tua ajuda ou préstimos. Sentia-me incompetente. Não percebia porquê.

Quando algum dos teus funcionários me dizia “ não posso fazer nada, fale com…”, “o melhor é falar com…” , ou então “vou passar-lhe o …” eu ficava doente.

E lá me passavam à tua extensão, e sempre me atendias através do “speaker”.

Logo para marcar território, num ataque antecipado dizia-te “não falo consigo em alta voz, faz favor pegue no telefone…”.

E tu numa risada discreta acedias ao meu pedido.

- Diga lá, o que posso fazer por si? – Questionavas.

E rapidamente, expunha o problema, certa da tua resposta “…bem, vou ver o que posso fazer, mas avise aí o J. que as coisas não podem ser assim… aliás sabe perfeitamente que não gosto de me envolver nestas coisas…”.

Em silêncio ouvia-te e tentava imaginar a tua cara, como estarias sentado e de que forma interpretavas o meu pedido, ou até se te sentirias da mesma forma.

Vieste à empresa várias vezes, mas apenas na última reunião estive presente. Já lá vão dois anos, mas ainda recordo o nervosismo que me acompanhou até à sala de reuniões.

Pousei os processos na mesa, cumprimentámo-nos e não me olhaste nos olhos. Isso libertou-me, e desde esse momento a reunião decorreu sem que, em algum momento, eu me sentisse acossada, diminuída ou até menos capaz.

Defendi os meus processos certa e rigorosamente. Nada impressionada. Afinal não eras o bicho-papão que imaginava.

Quando nos despedimos olhei-te nos olhos certa de que nunca mais me irias enervar.

Cerca de um ano depois, estava a quinze dias das minhas férias de Verão, e um assunto profissional, algo delicado, obrigou-nos a um contacto diário, envolvendo muito telefone e imensos emails.

E num desses emails percebi um tom diferente, uma abordagem mais pessoal. Não sei como, nem porquê, mas pressenti que algo tinha mudado em ti. E um dia pediste-me o meu número de telemóvel.

Ainda recordo o espanto que me causou esse pedido, a certeza de ser um pedido pessoal que vi confirmado após te ter dito que “ … ainda estaria no escritório mais uma hora ou duas e como tal poderia sempre contactar-me nesse período de tempo…”.

- Calculo que sim, mas quando lhe ligar, não vamos falar de trabalho. – Foi a tua resposta imediata.

As férias de Verão do ano passado ficaram marcadas por horas de conversa. Por cada dia que passava aumentavam a cumplicidade e as confidências. Contaste-me quase toda a tua vida, e de repente já te conhecia. Tu, pelo contrário, continuavas a saber muito pouco de mim. O essencial, que afinal era o que sempre soubeste.

Mas querias saber mais, a cada pergunta que ficava por fazer, a cada respirar que te pressentia, eu sabia que estavas curioso.

E eu alimentei esse prato, servindo-me com aperitivo. Era um jogo de sedução interessante, e que eu conduzia à minha maneira.

Adorei aqueles dias cheios de adrenalina, desafios e poder.

Sentia-me bem, dona e senhora das nossas conversas, embora tu acreditasses que me estavas a seduzir, que me tinhas enleado na tua rede de sedutor. Nada disso.

O retorno de férias deixou-nos pouco tempo para as nossas conversas, e tu ressentiste-te disso. Para mim funcionou ao contrário, sentia-me livre e nada interessada em retomar as nossas conversas já íntimas. Demasiado intimas.

Eras, como ainda hoje, muito persuasivo e não paravas de me mandar mensagens, emails e telefonavas, como sempre, imensas vezes.

Começaste a pressionar-me. Querias estar comigo. Não acreditavas que eu pudesse deixar-me ficar apenas pelo conhecimento virtual do telefone e do e-mail.

Quando te respondia dizendo que já te conhecia e que não era necessário estar juntos, ficavas fulo, mas disfarçavas bem a raiva e a impaciência (é uma das coisas que menos gosto em ti, quando disfarças a pessoa que és, e o que realmente sentes), com palavras bonitas e sedutoras.

Eu deixei-me convencer e contra todas as expectativas, principalmente as minhas, consegui uma tarde livre.

Foi num Sábado, dia 13 de Novembro. Nesse dia aprendi o que nunca quis saber. Estivemos juntos. O tempo que durou entre o parque de estacionamento e o motel foi silencioso. Não estava nada nervosa. Talvez estivesse. Nem parei para pensar.

“…fizemos amor…” costumas dizer, embora para mim tenha sido apenas sexo.

Deste-me prazer. Eu deixei-me embalar. Fui quem imaginavas que fosse e mais ainda. Foi isso que aprendi. Posso ser quem eu quiser, basta acreditar que o sou.

Encantaste-te pela mulher ainda jovem, cheia de fantasias por concretizar, sonhos por realizar…

Para mim o desencanto aconteceu ainda antes de nos tocarmos. Eu sabia que seria unicamente uma experiência.

Queria estar com outro homem.

Queria saber como seria “fazer amor” sem amar.

Queria ser mulher sem ser amante.

Estivemos juntos mais duas vezes, e de cada vez eu sabia que te estavas a apaixonar. Eu, cada vez mais distante e menos interessada.

Hoje, quando te ouço, leio e respondo, pela enésima vez, apenas recordo as palavras que me dizias quando eu me escusava a estar contigo “… não temos que pensar demais nas coisas, … não te preocupes em dar nome à coisa, … tens de saber compartimentar as coisas, …. Ambos temos família que tem de ser preservada…, vamos aproveitar cada momento enquanto podemos…”. Dizias tudo isto com um desprendimento digno de aplauso. E eu assim fiz. Sempre fui boa aluna, e sempre segui as regras, de tal forma que nem cheguei a gostar de ti. Apenas o suficiente para o sexo que vivemos.

Contigo aconteceu o contrário.

Gostas de mim, amas-me, desejas-me, já nem imaginas os teus dias sem mim.

E nunca mo disseste, e sei que não o vais dizer.

Mas não preciso que o digas. Simplesmente sei que é assim.

Já não estamos juntos desde Dezembro e teimas, insistes, desesperas (numa fúria escondida), e acreditas que vamos voltar a estar.

Já te disse que isso não vai acontecer.

Repeti cada palavra olhando-te nos olhos. Quiseste tocar-me e eu não deixei. Saí do teu carro e não olhei para trás. Deixei de atender as tuas chamadas. Nunca mais respondi às tuas mensagens.

Nenhuma saudade.

E agora, após ler mais uma mensagem tua, ver o teu número no visor do meu telefone, noutra chamada não atendida, apetece-me ligar-te e gritar-te:

- Não eras tu que me dizias para compartimentar as coisas, não lhes dar mais valor que o real, e viver o momento? Não eras tu que defendias a duplicidade do nosso relacionamento como algo inevitável e que apenas nos ajudaria a ser mais felizes???? Na tua ânsia de me provar a tua experiência de macho não percebeste que estavas a uma passo do abismo, e assim caíste e provaste o teu próprio veneno.

Mas não o faço, e sei porquê. Porque no mais profundo do meu ser estou a adorar perceber a tua impotência, o teu desatino e mais ainda o facto de estares convencido que gosto de ti.

Estás enganado.

A única coisa que ainda gosto em ti é o facto de me desejares, de te dar tesão, de sentires a minha falta, de perceber que as tuas regras foram quebradas. E foste tu que as quebraste não eu.

Detesto o ser submisso e carente que te tornaste, afinal, apenas cumpri o plano estabelecido por ti e compartimentei as coisas.

É assim o desamor.




Quarta-feira, 18 de Maio de 2005

Fim do dia...

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Gosto do mar. Muito. Nem sei porquê! Tenho um pavor imenso às suas águas.

Talvez nem seja medo. Apenas o respeito devido a um Poder maior.



Quando caminho pela areia, gosto de senti-la debaixo dos meus pés, e por isso tenho um caminhar pesado e duro.

Quando olho para trás vejo as minhas pegadas, quase nunca desfeitas, pois o mar fica demasiado longe para a minha (pouca) coragem.

E de alguma forma sinto-me parte da paisagem e do que me levou até ali.



Hoje que está um dia de sol intenso e quente recordei os dias em que caminhei gelada, o vento norte da praia que me derrubava e logo reforçava a vontade maior de o vencer.

Olhava para o horizonte longínquo tentando perceber se o que sentia no rosto frio era os respingos da água salgada, ou as gotas da chuva que ameaçava chegar.



Nunca me importei com o desconforto da roupa molhada, dos cabelos desalinhados, ou até do calçado perdido e o caminhar descalça até ao carro.

O conforto recebido, sem cobrança de vento, areia ou das ondas do mar, era tão grande e tão necessário que recordo o sorriso que me acompanhava pelos dias que se seguiam.



Nada podia retirar o prazer sentido, as sensações vividas e a força renascida.



Hoje vou à praia, não para caminhar, apenas para me deitar e receber os raios do sol de um fim de dia soalheiro e quente. Vou ouvir as ondas fortes que empurram a areia da minha praia e me fazem feliz.



Talvez até encontre um Pôr do Sol lindo.

Hoje ao fim do dia é isso que vou fazer.

Domingo, 15 de Maio de 2005

Um pedaço de mim.

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- Queres saber como sou. Para quê??!!! - Questiono o silêncio que me rodeia enquanto escrevo estas palavras.

Hoje levantei-me cedo, tinha perdido uma lente durante a noite, demorei anos a conseguir colocá-la de novo. A minha filha já pronta, o pai dela em silêncio, desapercebido, numa invisibilidade consciente, que não procura, apenas lhe sobressai.

Resolvo tomar um duche, dispo o pijama largo, a água aquece, o meu corpo quente anseia escaldar-se, sorrateiro e com vontade desliza para debaixo do chuveiro.

Não ouço nada, ninguém, num silêncio por onde os pensamentos se desvanecem e os sentidos apuram o seu poder.

Batem na porta, desligo a água, os pingos finais escorrem pelas minhas costas.

- Que foi? - Pergunto danada.

- Posso entrar? - Ouço.

- Diz lá o que queres, fala... – a porta mantém-se fechada.

- Já passa das nove. - Bufa aborrecido pelo atraso, frustrado por mais uma nega.

- E...? - Rosno atenta ao olhar que não me vê.

Ouço-o afastar-se, os passos quase silenciosos dizem-me que desceu para a garagem.

Respiro fundo, olho-me ao espelho, e tento perceber como me verias.

Passos de novo, leves e amados.

- Então, mãe... Vens ou não? - A sua voz entra ao mesmo tempo que a porta se abre. Um rosto, um corpo, um cheiro, uma menina que amo para além da sanidade.

- Vou já linda. Falta-me apenas lavar os dentes - sorrio para ela, que descrente me vê nua e ainda a passar creme hidratante.

Aproxima-se e toca o hematoma que tenho no braço.

- Dói? - Interroga com os seus dedinhos a passar lentamente pelo verdugo vermelho do meu braço.

- Não coração, já não. Está feio, mas não dói nada – E pressiono a mão contra a minha pele para que perceba que não me magoa nada.

Num gesto habitual passa de seguida as suas mãos pelo meu peito, parando nos mamilos negros e sempre entumecidos.

Pressiona a sua boquinha contra um deles, quase sempre o direito, e faz de conta que mama. Ela que sempre se negou ao meu amamentar.

Olhámo-nos numa cumplicidade de oito anos, acaricio o seu rosto moreno. Abraçadas somos nós e o mundo.

- Pronto, deixa-me terminar, senão vai haver amuos. Estou mesmo a acabar – Afasto-a de mim, que se deixa ficar sentada no bidé. Observa-me. Dependente dos meus gestos.

- Achas que estou mais magra? – Pergunto, a boca a deixar fugir o dentífrico.

Olha-me atenta, não me vai mentir.

- Ainda tens celulite! Tens de continuar a caminhar. - Uma afirmação fundamentada nas minhas baldas dos últimos três dias.

Levanta-se, dá-me o roll-on de secagem rápida, chega-me as cuecas, que pousa na bancada, empurrando a minha malandrice para a urgência de sairmos.

- Estamos à tua espera. – Finaliza, enquanto sai, descendo, de novo as escadas.

Ouço as suas vozes distantes, sei que está a dizer ao seu pai que estou quase pronta.

Não me apetece vestir-me, queria ficar sozinha em casa, andar nua, deitar-me na cama nua, ver televisão nua, comer nua, ler nua, rir nua, sonhar nua, amar-me nua pelo dia fora, esperar a noite ainda nua.

Olho-me no espelho, imagino que me olhas, sorrio para ti, sei como quero que me vejas, mas sei também que os teus olhos não vêem o mesmo que eu, logo, inquieta desvio o olhar dos teus olhos, e olho os meus que se reflectem no espelho por onde escorre o vapor do duche quente.

Os meus dedos inclinam-se e tocam a sua superfície, imaginando-o corpo de homem, os meus bicos espetados deixam a sua impressão no espelho, estremeço pelas picadas de prazer que sinto.

Atrás de mim sorris, aprecias a minha entrega, o meu desejo.

Não vês o meu corpo, mas sim a mulher que sou, e aí sinto que estás um passo de mim.

Visto as cuecas, o soutien, as calças e logo a t-shirt. Penteio os cabelos. Retiro a roupa suja do cesto. Olho-me e reconheço-me nos gestos de todos os dias.

Um último olhar para ver se fica tudo bem. Fecho a porta e desço as escadas.

Calço as sapatilhas, procuro pela última vez o telemóvel antes de o desligar para o resto do dia. Tenho uma mensagem tua.

“Ainda gostas de mim?”

Escondida apetece-me responder, mas não o faço. Talvez logo à noite no esconderijo do meu sofá, enquanto fingimos que dormimos.

Entro no carro, fechamos o portão e iniciamos o Domingo de todas as semanas que estão para começar.


Sexta-feira, 13 de Maio de 2005

Palavras sem voz

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Lembras-te de me dizer:

“…ontem fomos carne, hoje somos alma, amanhã seremos voz...”?

A segurança com que mo disseste esbarrou no mesmo instante com a certeza do impossível.

Acabaste de me dizer “Adeus...”.

Não ouvi a tua voz.

Quinta-feira, 12 de Maio de 2005

Delícia...

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O teu sorriso escondido, o teu olhar duro e atento. Desconfiado, mas pleno de curiosidade.

Eu? Curiosa, sem dúvida. Olhar sorridente.

Riso escondido, num gesto igual ao teu.

Observei o teu rosto, tentando perceber-te

Sobrolho franzido, o engolir da tua saliva.

Desejei-te.

Quis ouvir-te.

Ontem ficaste comigo…

Mas acho que já to tinha dito!!!.

Terça-feira, 10 de Maio de 2005

A verdade

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Uma mulher rodopia pela vida.

Certa dos erros cometidos,

Segura que não os deseja repetidos.



A mulher sonha com o que não pode alcançar,

Num sono agitado de desejos reprimidos,

Pouco vividos, quase nada descobertos.



Acorda,

Recorda a vida que o sonho lhe deu,

Não era a dela.



Uma mulher triste, tremendamente só,

Escreve palavras, conta histórias.



A mulher não quer chorar,

Apenas viver.



As suas lágrimas correm

Pelo rosto salpicado de mar,

Todos o vêem,

Ninguém a conhece.

Domingo, 8 de Maio de 2005

Era ela ...

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Um bulício nada habitual acontece na estação de comboios.

Ainda não são sete da manhã, e amontoam-se, a um canto, mochilas, sacos cama, lancheiras e cantis.

Olho à minha volta, tentando perceber a razão de tanto desassossego.

Lá vem eles, em bandos, devidamente identificados nos seus uniformes de escuteiro. Todos iguais, distinguem-se pela cor dos lenços que seguram ao pescoço.

O barulho é ensurdecedor, risadas roucas, olhos ainda remelados pela noite que acabou depressa demais.

Para eles.

Estou de jeans, pólo azul, meias e sapatos pretos, cinto a condizer. Numa mão seguro o telemóvel, a outra segura a mala que me identifica e a profissão obriga, e onde sempre arranjo um espaço para as chaves de casa e a carteira.

Levantei-me cedo, tinha-me deitado tarde e não consegui conciliar o sono.

Esperei demais por este dia. Conferi, vezes sem conta, o calendário onde identifiquei a data em que a vi.

Vejo no relógio, no calendário. Faz hoje, exactamente, um mês.

Vou voltar a vê-la. Reconhecê-la-ei?

Vai olhar-me. Vamos falar.

Recordar-se-á que é hoje. Foi ela que escreveu. Não vai esconder-se.

Tenho a certeza que hoje vamos tomar um café e conversar.

Uma voz irrompe pelo altifalante.

Pestanejo, olho ao meu redor, alerta.

Chega o comboio anunciado, a algazarra esquecida, ecoa de novo, quase insuportável.

Rapidamente várias carruagens são inundadas, ganham vida, perdem espaço.

Rostos de miúdos encostados nos vidros, outros por cima deles acenam, os mais velhos tentando ordenar o caos instalado.

O comboio parte.

Caminho até ao guichet onde vou comprar o meu bilhete. Não tenho destino, não sei para onde vamos, comprarei o último destino e sairei onde ela quiser. Com ela.

Ao meu redor o silêncio é quase reverente perante a minha ansiedade.

O ponteiro do relógio indica que ela não tardará.

Sento-me, a mala entre as pernas afastadas, pousada no chão.

Ouço um alarme de telemóvel, reconheço o meu toque, mas não o encontro.

- Merda, devo tê-lo deixado no balcão – murmuro entre dentes,

Um segurança aproxima-se, questionando com o olhar e a mão aberta a minha distracção.

Sorrio levemente, agradeço o cuidado, telemóvel já em meu poder.

Enquanto se afasta, apago o lembrete que o visor mostra e que o havia feito tocar momentos antes.

- Olá! – Ouço.

Uma voz rouca. Inesquecível.

O meu olhar prende-se numas sandálias vermelhas, que a mulher a meu lado calça, mantendo os pés junto, numa pose ensaiada.

Está a falar comigo. Estamos sós.

Volto o rosto para ela, encontro um olhar cálido, límpido. Olhos castanhos.

- Olá! – Replico num sopro de voz.

- Não tinha a certeza que viesse! – Fala, o seu olhar enfrentado a linha-férrea.

- Porque pensou isso? Sabe que não poderia deixar de vir – confesso.

Silêncio. Nem percebo se respira. Parece pensar no que lhe digo.

- Naquele dia olhou-me como se nunca tivesse visto outra mulher. É sempre assim? – A voz continua quente, menos doce.

Não, não sou, apetece dizer-lhe.

- Realmente naquele dia só a vi a si! – Sobranceiro, solto as palavras.

….

Tenho a nuca tensa, dorida, um nó no estômago, um amargo de boca. Sinto-me angustiado.

A mulher que está ao meu lado parece-me diferente. É ela, mas não a mesma que vi. Reconheço nela uma outra forma de estar.

…

- Vamos caminhar um pouco? – Sem esperar, levanta-se e caminha segura, num passo certo.

Levanto-me, rapidamente, enfio o telemóvel no bolso das calças, apanho a mala do chão, e sigo-a. A viagem, o bilhete comprado em vão. Deixo-os para trás.

…

Uma saia preta, pelo joelho, um casaco curto, da mesma cor, ajustado na cintura, numa elegância assumida e preservada.

As sandálias vermelhas destoam. Não são novas, estão até descascadas no salto alto. A comodidade que lhe dão no caminhar é a razão evidente para o seu uso.

…

Nunca gostei de vermelho. Ainda me recordo dos meus tempos de caloiro na faculdade, nas primeiras saídas em liberdade, nas tascas e bares que percorria, as suas cores de néon a piscar. Detestava entrar num bar com luzes vermelhas. Dentro ou fora. Ficava alucinado, não me reconhecia. Assustava-me.

…

O sol que se adivinhava ao levantar ensombrou-se num cinzento inesperado.

…

Apresso o passo, e lado a lado num silêncio que me agonia aguardo as suas palavras.

O silêncio oprime-me.

…

- Onde vamos? – Pergunto finalmente.

- Quero que me conheça, afinal veio encontrar-me, esperou por mim – As palavras são frias, a voz não é a mesma.

- Claro. – Aceito, numa voz escura do passado.

…

Continuamos pelas ruas, ladeamos carros e árvores, e aquela mulher nunca me olha, expressando no seu caminhar uma certeza fria do seu destino.

Finalmente pára, o edifico à nossa frente é imponente, numa beleza riscada ao pormenor. Um porteiro fardado vem ao nosso encontro. Cumprimenta-a com respeito, dirigindo-me um olhar insondável, treinado.

As portas automáticas abrem-se e entramos.

O elevador abre-se, levando-nos ao décimo andar. Um luxo discreto, silencioso rodeia-nos. O ambiente recorda-me a mulher que me fascinou, que acompanho descrente.

É então que me sorri.

- Desculpe o silêncio desta caminhada, mas necessitava pensar um pouco - Justifica enquanto entramos no apartamento que me indica.

Aceno, deliciado pelo sorriso, como se percebesse finalmente o que estava a acontecer-me.

…

Indica-me o sofá negro, onde me sento.

Desaparece.

Deixa-me só.

Na parede à minha frente um retrato mostra-me o seu rosto belo, deformado por lágrimas que escorrem, negras dos seus enormes olhos castanhos. Imponente, domina-me. Tem um fundo vermelho sangue que me incomoda.

Levanto-me, do outro lado um espelho reflecte-me, nas minhas costas o retrato.

…

Aqueles olhos, aquela dor, as minhas costas voltadas.

Eu já estive ali, eu conheci aqueles olhos, eu vi aquelas lágrimas sujas.

Um cavalo corre dentro de mim, pisando-me, num galope desenfreado de morte.

Preciso de respirar, tenho de sair daqui.

Tropeço cego, alagado numa memória esquecida, cada vez mais presente.

Caio.

…

As sandálias vermelhas à minha frente, numas pernas nuas, pintadas de sangue, em rabiscos de batón. Uma mini-saia vermelha raspada, gasta e justa. Um top vermelho de lantejoulas perdidas rasgado ao meio descobre-lhe os seios alvos.

O seu rosto coberto de maquilhagem. Lágrimas negras pintadas. Um queixo que treme. Uma boca violada onde, um dia, escorreu um fio de sangue.

…

Exibe-se poderosa, num medo há muito perdido na força que dela exala.

…

- Lembra-se de mim? – Uma voz suave e doce.

Balbucio, incomodado, cobarde.

Tento levantar-me, arrasto-me pelo chão em direcção à porta fechada.

Os seus passos seguem atrás de mim, numa alternância de posições, de um passado negro borrado de vermelho.

- Naquele dia no comboio quis matá-lo, mas não me reconheceu, e eu queria que soubesse quem eu era. É por isso que hoje está aqui. – Informou decidida – Não seria justo matá-lo sem saber porquê, não acha? – A voz calma, não espera que responda.

…

Descalça as sandálias vermelhas que vi sem reconhecer, e ajoelhada na minha frente, mostra-me os consertos que foram feitos, explicando cada tira cozida, cada prego, cada pincelada de tinta para cobrir os indícios daquela noite de perdição.

- Quando me largou naquele canto negro da rua, não tive forças para me levantar, e deixei-me morrer. Naquele dia matou a puta que usou e humilhou. Recorda-se do dinheiro que cuspiu e não consegui segurar?

A sua mão segurava uma nota irreconhecível no valor.

Incrédulo perante o cenário que não controlo, sinto o peito a rebentar, fecho os olhos, as imagens surgem na escuridão.

- Acordei dias depois numa cama desconhecida, cuidada pela mãe que nunca foi minha, que me curou as feridas do corpo, e da alma. Dizia-me “…menina faça-se mulher, aprenda tudo, nunca fique satisfeita, e um dia estará pronta para enfrentar o que agora quero que esqueça…”. No ano seguinte entrei na faculdade que frequentavas como finalista, sentei-me ao teu lado na cantina, participei nas reuniões do corpo estudantil que presidias, aprendi e tornei-me mulher. Conheci o teu melhor amigo. Apaixonámo-nos. Fomos para Londres. Voltámos há um ano atrás.

- Reencontraram-se não foi? – Espezinhando assim a recordação daquele dia em que revi o homem em que queria ter-me tornado – Falou-te de mim, o quanto me ama. Falou-me tanto de ti. Do solitário que és, do desprezo que demonstraste pela relação que vivíamos. Nesse dia percebi que já podia enfrentar-te.

…

- Segui-te, estudei-te e percebi que iria ser fácil matar-te, e sabes porquê? – Porque já estavas morto. A mulher que sou hoje é o resultado da tua morte. Naquele dia, ou noutros que viveste e nos quais mataste outras.

Assim, vais sair daqui, consciente de que não és nada, que és apenas um espectro à espera da morte física que teima em chegar, mas que mereces mais do que outro qualquer.

…

Ergo-me cambaleante, miserável, resto de coisa nenhuma.

Ela, ajoelhada, gigante no seu poder e firme da sua coragem, enfrenta o meu olhar.

Saio.

Para a vida que me resta, desejando que acabe já.

Sei que vai demorar muito, como o mês que passou.

…

Olhei-te nos olhos, soube quem foste, no ar que já não cheira a café.

Apenas o intenso odor da morte que vive em mim.


Quarta-feira, 4 de Maio de 2005

Aprendiz (...em segredo)

likeahug_small.jpg
Fascinas-me.

Enrolada em ti. Quando me tocas sem perceber. Quando te sinto sem me tocares. Conto-te segredos e nem sabes que o são. Ouço-te e não me falas.

Não conheço a tua voz. Nunca me ouviste e no entanto respondes-me. Nunca te pergunto nada.

Falas comigo. Devoro o que me dizes. Em silêncio.O teu. O meu.

O caminho é longo. Quase desisto. As tuas palavras tocam-me. Sem mão. Sem gesto. Reflicto nelas a cada instante. Não páro de ler. Não páro de corrigir. Quero conseguir.

Sabes muito. Tanto que me aprisionaste. Não sabes. Quero saber mais.

O teu corpo. Desconhecido. Enrolas-me. Seguras-me. Não vou cair. Eu.

Atrevo-me. Espero tocar-te. Desejo que me sintas. Desvenda-me. Tu.

Procura-me no que te digo. No silêncio que somos nós. E no sobressalto das palavras.

Ouço as tuas palavras. Ressoam em mim. Revoltam-se. Livres. Cheias de segredos. Escondidas.

Não quero o teu segredo.

Quero continuar aqui. Não te percas de mim.

Ensinas-me?

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