Terça-feira, 15 de Março de 2005
Tenho um amigo.
Conheci-o há exactamente oitos anos, cinco meses e quinzes dias.
Tinha sido mãe um mês antes, quando ele veio trabalhar connosco na empresa. Talvez por isso, sempre olhei para ele de uma forma maternal, ainda hoje me preocupo demais com ele.
Era reservado, observador, sensível, silencioso, e muito inteligente. Raramente falávamos. Apenas partilhávamos o espaço de trabalho e o que a vida nos trazia a cada instante.
Agora, enquanto escrevo este texto, apercebo-me que nunca foi preciso. Falarmos. Não entre nós. O silêncio que nos rodeava ensinou-nos a ouvir o que nenhum de nós falava.
Mesmo sem a cumplicidade que hoje nos une, bastava-nos olhar nos olhos um do outro, e sabíamos o que o outro pensava, ia dizer ou sentia (embora para ele a tarefa estivesse facilitada, pois ele dizia muitas vezes que sou um "livro aberto"). Admito que para mim tem sido mais difícil. Descobrir que ele é.Mas, quando não sei, pergunto.
Temos aquilo a que eu chamo "telepatia fraterna". O que para mim é uma enorme consessão, pois até ao momento que nos conhecemos, apenas tinha partilhado essa capacidade com a minha irmã.
Mas gostei. Ainda gosto.
Sou mais velha, mas, tantas vezes, o senti, e ainda sinto, como meu irmão mais velho. E nem sei o que é ter irmãos. Apenas imagino. É que eu não tenho uma irmã. Tenho uma gémea. É diferente, mesmo não parecendo.
Quantas vezes precisei daquele rapazinho?
Quantas vezes ele apareceu quando eu nem sabia que precisava dele?
Muitas vezes. Muitas, muitas.
Algum dia me disse que não podia?
Algum dia me negou ajuda?
Nunca. Vez nenhuma.
Durante este anos o meu amigo assistiu ao meu amadurecimento, quase nunca fácil, ao meu lado. Durante este tempo ele também cresceu, evoluindo para o homem que é hoje.
Houveram alturas em que chorei sozinha.
Existiram momentos que o senti perdido, ou a perder-se. Quase...
Outras vezes chorei no seu ombro, ao seu lado, no gabinete que me emprestava, junto com um cigarro que sabia que eu não lhe pediria.
Existiram dias em que me assustei com ele, por ele, e por nós. De formas diferentes e atitudes diversas as nossas vidas foram-se transformando.
Hoje, 15 de Março de 2005, já não lembro a última vez que partilhámos dores, choros e aflições.
Hoje, já estive com ele, já nos rimos juntos, falámos baixinho. Recordo asim as gargalhadas, segredos, confidências partilhadas. Agradeço as cumplicidades que o tempo nos presenteou.
A vida continua complicada.
Para mim. Para ele.
Amigos presentes. Amigos ausentes. Amigos que se amam infinitamente, pois como costumo dizer-lhe:
"...és o amigo com quem penso em voz alta!".
Beijo.