Sexta-feira, 11 de Março de 2005

O meu primeiro beijo



Tenho dias em que acordo e não tenho nada em que pensar.
Se por um lado me sinto leve e despreocupada, por outro sinto uma necessidade imperativa de pensar.
Seja no que for ou em quem for.
Hoje, e devido à minha busca no baú das recordações, lembrei-me do meu primeiro beijo.
Não pelo beijo em si, mas pelo cheiro do menino que me beijou (acho que ele não gostaria de saber que hoje, olhando no tempo, o recordo como um menino….
Já passaram 20 anos, e o cheiro dele, sempre misturado com um aroma delicioso, que era moda na altura, e que mais uma vez não consigo recordar o nome, ainda me faz bater o coração.
Era engraçado na altura saber que ele usava after-shave numa barba incipiente, mas o conhecimento desse facto atraía como abelhas às flores.
Durante esses anos da minha adolescência, outros meninos, rapazes usaram esse after-shave, mas nenhum deles conseguiu mudar o curso dos olhares lambareiros, gulosos e inocentes de pré-adolescentes (e esta adjectivação é insuficiente para a amálgama de sensações e sentimentos que naquela altura nos atingiam).
E ele era realmente um jardim, o menino que usava o after-shave era muito especial.
Era muito moreno, quase mulato, mas num tom misturado de cigano também.
Tinha olhos pretos, negros e grandes, que brilhavam tanto quanto o fulgor daqueles anos lindos.
E sorria, sorria sempre, um sorriso branco que explodia naquela cara morena, de pele fina e dura.
Era magro, mas nunca dava a sensação de fraqueza, pelo contrário, era atlético e flexível.
Era um aluno brilhante na maioria das disciplinas, com uma queda natural para as “Humanísticas (no meu tempo ainda não eram “Humanidades”), mas imensamente malandro, e apenas cumpria os mínimos necessários a cada passagem de ano.
Eu adorava assistir às aulas de Português da turma A, adorava ouvi-lo a ler, a sorrir para a professora, com aquele sorriso doce e matreiro.
Eu estava numa turma B e tinha como segunda língua o Francês, língua antiga, pouco atraente e nada apelativa para adolescente ligados à MTV e que viam regularmente o “European Countdown”.
Ele estava na turma do Inglês, o que contribuía, bastante, devo dizer, para a minha adoração cada vez mais evidente.
E ele sabia disso.
Todas as meninas lá na escola adoravam o Paulo.
Desde sempre, desde o primeiro dia no ciclo via-o rodeado de rapazes e raparigas.
Eles, porque o admiravam, e gostariam de poder ser como ele, e porque de alguma forma se sentiam um bocadinho como ele, e sempre podiam usufruir da companhia das meninas que não os queriam.
Elas, meninas loucas da paixão, que não percebiam ainda o que era e para que servia, apenas o queriam.
A ele, Paulo, menino moreno, travesso, traquina e cheio de si, pele quente como veludo.
Eu gostava dele.
Gostava, porque cheirava bem, tinha um sorriso lindo, era simpático, inteligente, bom humor nunca lhe faltou e porque tinha muitas namoradas.
Dá para rir, pois hoje o que mais queremos é alguém que goste muito de nós, apenas de nós e de mais ninguém.
Era mais real e puro o meu gostar daqueles dias…
Todos sabiam que eu gostava dele.
Ele também namorava com a Fatinha, a Belita, a Susana e a Laidínha, e outras de quem já não me lembro.
“Namorava” que é como quem diz hoje “estava com….”, Muitas vezes, muitos dias, muitas meninas.
E a fama crescia a olhos vistos.
Corria, até, o boato que ele namorava com uma mulher casada!!!!
Obviamente nunca se viu nada, mas contribuía bastante, para a aura de menino rebelde e interessante que já ninguém lhe conseguiria retirar.
Eu vivia aquelas horas na escola, dias e meses, uns atrás dos outros, sempre sonhando fazer parte da vida dele, querendo partilhar aquele imenso carinho que ele tinha para dar e ao qual nunca se fez rogado.
Quando ele trocava um olhar comigo, um sorriso, ou até porque roçava, a correr, o blusão dele no meu, quando atravessávamos os corredores do pavilhão da escola, eu renascia, ficava vibrante e tão, tão feliz.
E com tão pouco conseguia gostar dele.
E nunca lhe pedi nada, nem nos meus sonhos de menina.
Chegada a Primavera, corríamos em bandos para as traseiras da cantina, onde o sol aquecia por entre a neblina da manhã, até ao entardecer quente do final do dia.
Pedíamos em uníssono, ainda que discretamente, aos santos todos e a Deus, para que a “profe” de matemática faltasse, ou a de Educação Visual (sempre eram 2 horas de borga e namoricos), ou a de Português…
A espera de ver chegar os carros era absolutamente cúmplice e deliciosa.
Aquele bando de meninos e meninas conseguia ser unido e feliz.
Juntos, sem a mania do “tu és meu, estás comigo… eu sou tua, estou contigo” que poucos anos, meses mais tarde todos viveríamos e com o qual toda a inocência das relações se perderia.
Numa tarde solarenga, ainda que fria, fui a eleita.
Não que tivesse feito algo para isso, acho apenas que naqueles dias eu estava efectivamente a tornar-me uma mulher e isso terá sobressaído àqueles olhos atentos.
Saia castanha de bombazina, de peito e com atilhos, pólo cor-de-rosa, meias “soquetes” brancas e botins castanhos.
Cabelo comprido e sorriso aflito.
Era eu.
Tinha treze anos.
Moreno, cabelo curto, quase rente nas patilhas, negro que brilhava com o gel que usava incessantemente.
Jeans rompidos, que lhe ficavam a matar, blusão de penas, tipo chouriço, preto, sapatilhas “All Stars” convenientemente rompidas.
Sorriso confiante, e com as mãos quentes.
Estávamos sentados, costas na parede da cantina, a tentar esquecer o início do período da tarde que se aproximava.
Não me lembro de quase nada, apenas dos outros casais que estavam ao nosso lado.
A Cristiana e o Leiria, a Gé c/ o Miguel ( a Gé era a minha melhor amiga e o Miguel gostava de mim).
Todos pareciam saber exactamente o que estavam a fazer, e sorríamos uns para os outros cúmplices.
De nada e de tudo.
Eu não sabia nada, mas queria saber, estava cheia de vontade.
Queria muito saber o que os outros já sabiam.
Aquele aroma de after-shave era tão intenso que me sentia inebriada, quase como se eu estivesse num momento aparte, numa bolha de ar protegida.
Prendia-me contra ele, pernas estendidas, uma sensação de conforto tão grande, como se aquele sempre tivesse sido o meu canto, o meu espaço.
Rostos quase encostados, com o quente do seu corpo a sair pelo pescoço, na abertura do blusão, a espaços e deixando-me penetrar na intimidade de um corpo que era tão desejado.
Não me recordo de conversa nenhuma, palavras, acho que não existiram, apenas lembro a alegria que sentia a sair do meu peito, da minha caminhada com ele.
Aproxima a sua boca da minha para me beijar.
Afasto o rosto devagar e ele logo nota que estou a fugir.
- Beija-me – Ainda hoje sinto as palavras chegarem até mim, seguras e confiantes.
Silêncio.
- Não me queres beijar? - Pergunta, conhecedor da resposta, inquietado pelo torpor que me invadia.
Murmuro, a querer dizer algo, a voz a não chegar.
Insiste no gesto de me beijar.
- Tenho medo de não saber beijar! – Sussurro, consciente da enormidade que acabei de lhe dizer.
O silêncio que se instalou no barulho de um recreio da escola, foi enorme, como grande foi a surpresa que lhe senti.
Não desarma, e segurando o meu queixo com meiguice olha-me num sorriso lindo.
Beija então os meus cabelos, aconchega o meu corpo ao seu, para que me sinta segura e livre, descendo pelo meu rosto.
Deposita pequenos beijos, na minha face, no meu rosto quente, e pára, delicado, no canto da minha boca.
Aí, segura-me o rosto e fixando-me no seu olhar inicia o beijo da minha vida.
Tudo o que nunca tinha experimentado, mas que sempre soube ser assim, foi-me dado por aquele menino, num momento de vida inesquecível.
A sua língua penetrou, firme, a minha boca, de encontro a uma língua que a aguardava.
Expectante, mas activa, beijei-o como não sabia, mas secretamente os meus 13 anos me haviam ensinado.
Foi um beijo quente, molhado, interminável.
Lindo.
Recordo ainda o olhar brilhante de duas crianças felizes.
O menino sorria para mim.
A menina via reflectida naqueles olhos negros o sorriso de um caminho que agora iria explorar.
Fui imensamente feliz.
Sei que o meu beijo foi importante para ele.
Nunca mo disse, mas ainda hoje quando passamos um pelo outro, na rua, ambos sabemos o quão importante aquele beijo foi.
Ele foi o meu primeiro amor.







publicado por eu34 às 11:23
link do post | favorito
De Anónimo a 15 de Março de 2005 às 15:22
o melhor do beijo é o silêncio que o acompanhaLuis
(http://graodeluz.blogs.sapo.pt)
(mailto:luisfcaeiro@yahoo.com)
Comentar:
De
( )Anónimo- este blog não permite a publicação de comentários anónimos.
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